Ainda neste primeiro semestre, o Supremo Tribunal Federal deverá
iniciar o debate sobre a constitucionalidade do sistema de cotas
utilizado por várias universidades públicas em seus processos de acesso a
cursos de graduação.
A UFPA é uma das mais de 70 IES a adotar esse sistema nos certames seletivos. Após três anos de implantação, algumas tendências podem ser observadas desde que o programa foi iniciado na Instituição. Além disso, experiências mais consolidadas de outras universidades não apenas confirmam essas tendências como também explicitam outros desdobramentos que têm ganhado ampla divulgação. É certo que o Brasil é um país com enormes desigualdades refletidas em diferentes perfis de acesso a demandas nas áreas de educação, saúde, segurança, moradia, emprego e justiça. É, portanto, uma nação marcada pela falta de oportunidades que atinge, de forma prevalente, a camada populacional de maior fragilidade socioeconômica. Esta realidade, de origem centrada em uma formação societária caracterizada pela resistência histórica a processos de distribuição universal de bens e serviços sociais, tem sido um dos óbices a impedir a inserção do Brasil no elenco de nações com elevados índices de desenvolvimento humano. Na existência de um cenário com essa moldura, políticas afirmativas podem servir como facilitadores à criação de um ambiente de redução de desigualdades, desde que respondam a pressupostos básicos de razoabilidade e legitimidade social. Nessas condições, longe de representarem privilégios a grupos, são instrumentos poderosos na redução da distância a separar ricos e pobres nas oportunidades de ascensão a que são apresentados no curso de suas vidas. Várias são as óticas que definem posições contrárias e a favor dessas políticas. Sob uma delas, muitos estudiosos do regime de cotas defendem sua aplicação dentro de critérios com viés apenas social. Esse modelo, que tem os pobres como alvos da atenção, ao não excluir de seu arco de recepção parcela significativa de negros e pardos, teria a vantagem de não deixar de fora, como no caso das cotas raciais, brancos também pobres. Se essa é uma formulação consistente, não se deve esquecer que, no Brasil, indicadores socioeconômicos permitem sustentar que a pobreza tem cor predominantemente negra, bem como que a população de negros e pardos é subrepresentada nos extratos sociais de maior destaque, obra, sem dúvida, de um contexto histórico de formação que pôs à margem das oportunidades esse contingente populacional, elegível, portanto, a um processo temporal de reparação de injustiças. Assim, cotas sociais e raciais parecem ter espaços complementares como elementos de redução de assimetrias. A combinação desses diferentes formatos, como verificada nos processos seletivos da UFPA, pode ser compreendida como avanços na comparação com experiências que utilizam apenas uma das duas formas. Levados pela observação de casos de sucesso pessoal alcançado a despeito das dificuldades de acesso encontradas, alguns grupos se opõem aos modelos de seleção com reserva de vagas. Se o caráter de excepcionalidade desses casos, por si, torna-os inadequados para uma argumentação, acrescente-se, ainda, o fato de que o conceito de mérito só pode ter valor quando aplicado entre cidadãos com níveis comparáveis de oportunidades. À falta dessa premissa, a meritocracia torna-se uma inaceitável crueldade intelectual. O surgimento das novas técnicas para o estudo do DNA trouxe, ainda, uma nova vertente à discussão. Segundo alguns, a comprovação de que o conceito de raça não é aplicável a humanos abriria espaço para questionamentos sobre a aplicabilidade de cotas raciais. Nossa realidade social impõe a improcedência desse raciocínio, na medida em que o fulcro da discriminação não está identificado em DNA, mas sim, e infelizmente em larga medida, na cor da pele e em traços pessoais característicos. Há convergência entre os debatedores dos modelos de ação afirmativa de que a matriz da solução do problema da discriminação deve ser forjada na melhoria da qualidade do ensino básico. Todavia, considerando-se as nossas estruturas institucionais, é de se indagar quanto tempo seria necessário para que essa indispensável transformação se processasse. Por que, então, não aceitar, em horizonte temporal definido, que iniciativas de correção com resultados mais céleres possam ser aproveitadas? Uma preocupação de novo tipo sinaliza com a hipótese de que as políticas diferenciadas para negros podem estimular uma violência racial sem precedentes, ou mesmo a institucionalização do racismo no País. Os resultados observados em mais de 10 anos da utilização do regime de cotas não sustentam essa preocupação. Não nos esqueçamos, aqui, que as críticas apresentadas no início da implantação dos programas de ação afirmativa fundamentavam-se na certeza de que os beneficiados teriam sua formação profissional comprometida pelo baixo preparo adquirido no ensino básico. O desempenho dos mais de 50 mil brasileiros já formados nesse sistema derrubou esses argumentos, a ponto de não mais serem admitidos por seus críticos. Essas breves reflexões dão alguma noção dos diversos contextos em que são feitas as análises sobre o tema das ações afirmativas, hoje, no País. De muito positivo, a constatação de que esta se tornou uma oportunidade ímpar para se discutir o tema da discriminação social de forma mais aberta e ampla possível. por Carlos Maneschy / foto Márcio Ferreira no Jornal Beira do Rio |
quinta-feira, janeiro 24, 2013
Reitor: A UFPA e as políticas de ação afirmativa
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