Atenção Turmas de 2º ano das Escolas Deodoro de Mendonça, Dr. Freitas e Vilhena Alves!
Para leitura complementar faço sugestão do texto de Jane Felipe de Souza - então Coordenadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero do PPGEDU / FACED / UFRGS:
Usos e abusos dos corpos infantis
Os dados divulgados na III Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrida em Porto Alegre (2005), são alarmantes, e não são, de todo, desconhecidos: a cada 8 horas uma criança é vítima de violência / abuso sexual e em 70% dos casos tal situação se dá nas relações intrafamiliares. Este último fato remete-nos ao debate do quanto as relações de gênero estão envolvidas em relações de poder não somente entre homens e mulheres, mas entre adultos e crianças e o quanto estas se acirram quando se trata da própria família, na medida em que os homens se sentem no direito de abusar das mulheres e meninas de sua própria casa, como se estas fossem sua propriedade.
Um dos aspectos mais preocupantes, e que tem merecido a atenção do poder público e de várias entidades civis em defesa da criança e do adolescente, diz respeito à prática da pedofilia, especialmente aquela cometida através da Internet, uma vez que envolve a produção de material pornográfico utilizando imagens de crianças, muitas vezes submetidas a toda sorte de violência sexual. O Brasil ocupa o 4º lugar no ranking de material pornográfico, com pelo menos 1210 endereços na internet. Um dos nichos desse material refere-se à pornografia infantil, com o intuito de abastecer o mercado da pedofilia. Essa rede se organiza internacionalmente, de modo que existem facções em todos os lugares onde há pessoas interessadas em obter aceso a esse tipo de material. Segundo alguns especialistas presentes na III Jornada, o Brasil precisa tratar a questão da pedofilia como uma rede internacional que envolve o crime organizado, utilizando-se do tráfico de crianças. Tal rede é composta por “angariadores”, que são pessoas pagas para seqüestrarem crianças com o intuito de utilizá-las em filmagens obscenas. Eles / as freqüentam todos os lugares onde existam crianças – parques, praças, escolas. Depois de encontrar crianças com as características solicitadas pela rede de pedofilia, elas são seqüestradas e logo em seguida as entregam aos chamados “monitores”. Geralmente, a criança é levada a um cativeiro bem longe do local onde foi roubada, onde são realizadas as filmagens e onde ocorre todo o tipo de violência sexual. Logo após ela é assassinada e nunca mais se tem notícias dela. Os sites colocam simultaneamente no ar as imagens de violência / abuso sexual, ao vivo, para deleite dos pedófilos, que pagam elevadas taxas com o objetivo de ter acesso a tais cenas. Através desses sites os pedófilos podem se comunicar e estabelecer estratégias de sedução para obter novas vítimas.
Outro ponto importante refere-se ao lucro desse tipo de negócio, quanto mais nova a criança, mais caras são as imagens. Há registros de imagens feitas com bebês de 4 meses e crianças de 2 anos. Em 2002, os lucros com pornografia infantil chegaram a 5 milhões de dólares nos EUA e a 3 milhões de euros na Europa. No caso do Brasil, nossa legislação não possui leis que punam quem consome materiais de pedofilia, só é punido quem produz o material pornográfico. Muitos alegam que os materiais ou ele mesmo, como consumidor, não fazem mal nenhum a criança. No entanto, cabe considerar que a pedofilia não é um ato meramente individual, de preferências ou fantasias sexuais por parte do adulto, mas ela remete às relações de poder entre adultos e crianças. Além disso, ela está organizada numa rede mundial que tem ligações com o crime organizado, segundo dados de agências internacionais. Várias ações têm sido feitas no sentido de coibir a violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2001 foi criado e implantado o Programa Sentinela – Serviço de Enfrentamento e Combate à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial da Criança e Adolescente – financiado pelo Governo federal, que tem por objetivo prevenir e combater todas as formas de violência, abuso sexual e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes articulado com o sistema de garantias de direitos.
No entanto, apesar de todos os esforços que têm sido feitos até agora no sentido de coibir a violência / abuso sexual e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, através da criação de programas e leis, campanhas de conscientização, disque denúncia e demais estratégias de contenção do problema, me reporto a outro aspecto da questão: as definições e tentativas de categorizar os comportamentos em torno da pedofilia e o conceito de pedofilização como prática social contemporânea. É importante lembrar que, nas suas origens, o termo pedofilia designava o amor de um adulto pelas crianças (do grego antigo paidophilos: pais = criança e phileo = amar). No entanto, a palavra tomou um outro sentido, sendo designada para caracterizar comportamentos inadequados socialmente. De acordo com o Catálogo Internacional de Doenças (CID), a pedofilia é considerada um transtorno de preferência sexual, classificada como parafilia (para = desvio; filia = aquilo para que a pessoa é atraída) e também como uma perversão sexual. O CID é bastante minucioso no que se refere à classificação de tais transtornos, sendo a pedofilia assim definida como: Uma preferência sexual por crianças, usualmente de idade pré-puberal ou no início da puberdade. Alguns pedófilos são atraídos apenas por meninas, outros apenas por meninos e outros ainda estão interessados em ambos os sexos. A pedofilia raramente é identificada em mulheres. Contatos entre adultos e adolescentes sexualmente maduros são socialmente reprovados, sobretudo se os participantes são do mesmo sexo, mas não estão necessariamente associados à pedofilia. Um incidente isolado, especialmente se quem o comete é ele próprio um adolescente, não estabelece a presença da tendência persistente ou predominante requerida para o diagnóstico. Incluídos entre os pedófilos, entretanto, estão homens que mantêm uma preferência por parceiros sexuais adultos, mas que, por serem cronicamente frustrados em conseguir contatos apropriados, habitualmente voltamse para crianças como substitutos. Homens que molestam sexualmente seus próprios filhos pré-púberes, ocasionalmente seduzem outras crianças também, mas em qualquer caso seu comportamento é indicativo de pedofilia.
A pedofilia está classificada juntamente com outros transtornos elencados pelo CID como parafilias: voyerismo, exibicionismo, fetichismo, travestismo fetichista e sadomasoquismo, sendo esta última modalidade também considerada uma perversão sexual. Segundo o CID: As parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. As características essenciais de uma parafilia consistem de fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo: 1) objetos não-humanos; 2) sofrimento ou humilhação, próprios do parceiro, ou 3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento.
Tais definições, associadas às campanhas em torno do combate à violência / abuso sexual e a uma ampla divulgação na mídia envolvendo padres, médicos, educadores, artistas e outros acusados de pedofilia20, têm levado a mudanças de comportamento e a um certo pânico moral, através de um e monitoramento de possíveis ações que antes pareciam tão inofensivas, mas que hoje podem ser interpretadas ou mesmo confundidas como nocivas às crianças. Tal situação tem levado muitos profissionais, no campo da educação, por exemplo, a mudarem seus comportamentos frente às crianças, para não serem confundidos com pedófilos. Refiro-me aos homens que trabalham com educação infantil (0 a 6 anos) que, para evitarem maiores problemas, procuram não ficar sozinhos com elas – especialmente numa situação de troca de fraldas – ou mesmo colocá-las sentadas em seus colos. As próprias manifestações de afeto e interesse de homens por crianças pequenas podem ser vistas, nos dias de hoje, com certa desconfiança.
Chamo a atenção para um outro aspecto que me parece importante considerar: a idéia corrente de que só os homens são abusadores em potencial, por possuírem uma sexualidade tida no senso comum como incontrolável, quase “animalesca”. Outro equívoco é associar a pedofilia e o pedófilo aos homossexuais, como se estes representassem um perigo constante aos bons costumes e às práticas sexuais consideradas legítimas. É preciso lembrar também que as estatísticas dificilmente fazem referências às mulheres, na medida em que estas, no exercício da maternidade ou na função de cuidadoras de crianças, parecem estar sempre acima de qualquer suspeita, o que nem sempre é verdade. Apesar de todos os esforços da sociedade civil organizada e das instâncias públicas, no sentido de resolver o grave problema da violência / abuso sexual e da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, e não estou aqui negando este problema, nem minimizando a sua gravidade, gostaria de ressaltar o quanto os conceitos e as inúmeras tentativas de categorização dos comportamentos em torno daquilo que pode ou não ser considerado normal ou patológico, escorregam, vazam, nos escapam. Por outro lado, se os projetos modernos de infância constroem um tipo de representação de criança que exige uma pedagogização, bem como mecanismos para sua proteção, as significativas mudanças ocorridas nas configurações sociais contemporâneas “(...) têm introduzido quebras, rachas, fissuras, na bem constituída arquitetura discursiva sobre a infância que nos foi legada pelo Iluminismo ou que nele se inspirou”. Os mais diversos investimentos têm se entrelaçado para constituir o que entendemos por infância. É interessante perceber de que forma esses mesmos investimentos e representações correlatas à infância têm sido fortemente re-significados, sobretudo numa época de acelerado consumo e avanço tecnológico, como sugerem Felipe, Steinberg, Kincheloe, Walkerdine, entre outros, que analisam as novas concepções de infância produzidas nas e pelas relações de consumo, através das pedagogias culturais.
Tive acesso ao texto através do Curso de Aperfeiçoamento Gênero e Diversidade na Escola. - Grupo "NÓS MULHEES" - UFPA. Também no endereço:
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30391.pdf
professora gostei muito do texto e,particularmente,acho que toda
ResponderExcluira turma gostou.estamos esperando os próximos textos.
Angélica, o texto sobre Pedofilização é a continuação do trabalho de Jane Felipe. Sobre tais informações será nossa discussão nas próximas aulas.
ResponderExcluirO interesse da turma, creio, dá-se pelo fato de ser um assunto atual, bastante discutido.
Abraço.